De onde menos se espera

Esse ano para mim foi um ano muito ímpar. Muitas coisas aconteceram sem que eu tivesse planejado nada. Fiz cursos, conheci pessoas, interagi das mais diversas formas comigo mesma e com o novo mundo que se descortinou aos meus olhos. E, numa dessas, me vi naquelas situações de “calças curtas” em que a vida nos coloca sem muita cerimônia.
Foi numa dessas turmas que nos conhecemos e de forma muito despretensiosa iniciamos um contato que eu, ingenuamente, pensei se tratar apenas de mera amizade. Até então, não havia revelado a ninguém as minhas intimidades, fetiches ou preferências afetivas. Na mesma época, resolvi abrir um canal de comunicação, onde costumava expor minhas ideias e sentimentos diversos.
Após um certo tempo, em uma das conversas que varavam a madrugada, ela começou a demonstrar uma curiosidade profunda sobre mulheres. Disse que naquela tarde uma colega havia dado uma “aula” sobre como transar com uma garota. O papo fluiu por um longo tempo.
Ela foi me revelando fetiches que eu jamais havia imaginado e que nem perceberia ao olhar para ela. Um comportamento quase pudico, tímido, retraído. E também porque eu não fico tentando desvendar a sexualidade alheia apenas olhando para a criatura, né? Confesso que sou meio desligada para certas coisas da vida, há quem diga que uso aqueles antolhos que se coloca em cavalos e que só permitem olhar adiante numa única direção. Enfim.
Admito que minhas noites se fizeram maravilhosas com a companhia dela. Despertar a imaginação é algo que me excita intensamente e com ela a minha mente começou a trabalhar muito. Passei a escrever contos e compor poemas a partir de frases soltas nos diálogos virtuais. Só não cogitei o efeito dessa produção na mente alheia. Mal sabia eu que aquela leitura conseguia penetrar nos rincões da alma dela.
A minha surpresa, entretanto, veio numa das aulas. Cheguei atrasada, entrei esbaforida no laboratório e ela logo veio me recepcionar. “Estava esperando por você. Já adiantei o material e disse a professora que ficaria com você hoje”, ela sorriu estampando um brilho diferente no olhar. Eu só não imaginei o peso daquelas palavras!
Seguimos normalmente, mas comecei a perceber umas atitudes singulares dela comigo. Sempre que me pedia algum material, fazia questão de largar a mão para que houvesse um toque sutil das nossas peles. Quando minha ficha caiu, comecei a sentir o corpo arrepiar e a suar frio. Tinha medo de que ela tentasse alguma coisa ali mesmo, no laboratório, com a porta podendo ser aberta pela professora, por algum colega ou mesmo pela coordenação da escola. Eu gelava espinha abaixo cada vez que pensava naquilo. Mas tudo correu bem.
Quando acabou a aula, fui descendo as escadas e ouvi aquela voz. “Ei. Espera. Te levo para casa”, oferecia. “Não precisa. Moro aqui do lado”, recusei tranquilamente. “Eu insisto”, ela disse resoluta. Entramos no carro dela e só demos a volta no quarteirão até a outra praça, onde ela desligou o motor e ficamos conversando amenidades. Uma coisa legal que conseguimos construir era o diálogo. Assunto não faltava. Mas o dessa vez foi arrebatador. “Tem uma coisa que eu preciso te falar, mas estou mega sem jeito”, a voz ficou embargada em determinado ponto.
“Fala, ué. A gente sempre conversou sobre tudo. O que foi? É algo grave?”, me preocupei. “Grave? Não. Mas é diferente. Pelo menos pra mim”, iniciava a confissão. Nesse momento, ela tirou a mão do câmbio da marcha e segurou a minha mão, virando o corpo para mim. “Você vai achar que é loucura”, disse e já inclinou a cabeça para mim e me puxando em sua direção.
O beijo foi incrível. Entrelacei meus dedos entre os cabelos compridos dela e puxei uma boa mecha, fazendo-a soltar um gemido suave, enquanto nossas bocas se buscavam ainda mais profundamente. Nos separamos buscando respirar um pouco. Eu baixei a cabeça, meio sem razão. “Está tudo bem?”, ela perguntou. “Está”, respondi tentando esconder o sorriso. “Desculpa. Isso foi loucura da minha parte”, ela começou a ficar sem graça. “Eu achei ótimo”, revelei sorrindo e me voltei para sentir novamente o mel único daqueles lábios curiosos e ávidos de amor.


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