Na livraria


Era uma tarde dessas de um feriado qualquer e eu estava agoniada de passar mais um dia em casa sem ter nada mais interessante pra fazer. Resolvi, então, tomar um banho e me arrumar para ir...ao shopping. Isso mesmo. O único lugar que me veio à mente naquele momento, justamente quando olhei na carteira e vi que não poderia abusar da sorte.
Pus a melhor roupa que encontrei na bagunça do guarda-roupa. Um jeans confortável, salto baixo e uma blusa branca simples, mas bem sensual. Adoro ver a beleza da minha simplicidade.
Cheguei ao principal shopping da cidade e me espantei com o movimento fraco para um feriado. Adorei a ausência da multidão nos corredores. Aproveitei para olhar umas vitrines e pegar a sinopse no cinema. Mas nada me chamou a atenção. Até que vi a livraria e resolvi entrar.
Passeei pelas estantes e gôndolas onde os exemplares eram expostos. Na sessão de aventuras, peguei um exemplar qualquer e comecei a folhear. A história não me prendeu, devolvi ao montante e me dirigi a uma das estantes próximas. Quando pensei em pegar um determinado exemplar, uma outra mão veio por sobre a minha, num choque inevitável. “Desculpe”, disse a voz dona daquela mão alva e delicada. Virei-me e ofertei-lhe um sorriso amarelo. “Tudo bem. Fique à vontade. Pode pegar”, respondi exercitando a simpatia.
“Estou procurando um livro para presentear um amigo que faz aniversário esta semana. Me indicaram justamente este. Você gosta do autor?”, ela começava a puxar conversa despretensiosamente. “Não o conheço. Mas o título parece interessante”, me desarmei ao ver aquele sorriso.
Ela era simplesmente linda. Loira, corpo médio, “falsa magra” como dizem, mas de uma formosura rara de se ver. Os óculos de acetato enalteciam o ar de intelectual. Os cabelos compridos, amarrados num coque feito à mão e preso com uma caneta. Parecia ter saído do trabalho, mesmo num dia de feriado. Ainda exalava o perfume floral que borrifara horas antes de sair de casa.
Lemos a orelha do livro juntas e fomos ao Café instalado nas dependências da livraria. Olhamos o cardápio e fizemos o pedido. Café expresso com chantilly e pão de queijo. Meu lanche preferido para uma leitura. Logo ela revelaria ser este o seu lanche preferido daquele Café. A revelação me fez gelar a espinha e até agora eu não entendo o por quê.
Conversamos por horas. O tempo passou tão depressa que nem nos demos conta do adiantado da hora, até ouvirmos o aviso do fechamento da loja e do shopping. “Nossa! Já está tarde. Nem percebi o tempo passar”, me espantei. “Verdade. Um papo tão gostoso tira a gente do eixo”, ela sorria. “Podemos nos encontrar novamente?”, perguntou sem o menor sinal de timidez. “Vamos ver. Quem sabe?”, tentei me esquivar. Claro que não tive muito sucesso, pois ela logo me estendeu seu cartão de visitas. “Manda um zap depois. Tá difícil encontrar pessoas de bom papo hoje em dia”, ela levantou e se despediu de mim com um beijo no rosto.
Joguei o cartão na bolsa e fui para casa. Um sentimento de leveza interior me acompanhava. Meu sorriso estava solto como há muito não acontecia. Afinal, é difícil encontrarmos pessoas bacanas hoje em dia. Esse pensamento me acompanharia por algum tempo ainda.
Os dias seguiram na mais perfeita rotina. Na sexta-feira, cheguei em casa absolutamente exausta do trabalho e me joguei no sofá da sala, largando minha bolsa de qualquer jeito no chão. Com o impacto, os pertences derramaram sobre o tapete. Quando olhei, o cartão dela reluziu o verniz. Puxei-o e ao tocá-lo, as boas lembranças daquele bate-papo reavivaram na memória. Paquerei aquelas informações por alguns instantes, questionando o meu íntimo se devia ou não adicionar o telefone à minha agenda e porquê não o fiz até agora. Salvei o número na agenda do celular e resolvi usar a função primeira de um smartphone: fiz a ligação. Obviamente que eu esperava que ela não fosse anteder um número estranho e, futuramente, num novo encontro fortuito, eu pudesse usar isso como desculpa. Entretanto, “a casa caiu”, diria um amigo meu. Ela atendeu a chamada logo nos primeiros toques.
“Alô”, disse aquela voz suave do outro lado. Eu mal sabia o que dizer. “É...oi...aqui é a moça da livraria. Não sei se você vai lembrar, já que faz um tempo...”, gaguejei horrivelmente. Para minha surpresa, ela se lembrou de mim. “Olha só. Quem é vivo sempre aparece! Como vai, mocinha? Claro que me lembro de você. Aliás, ainda tinha a esperança de que você me ligasse. Que tal marcarmos um novo encontro? Botar o papo em dia é sempre bom”, dava para sentir a felicidade exalando dela.
Admito que eu estava morta de vergonha, sendo tomada por uma timidez muito estranha. De fato, isso nunca tinha me acontecido. Obviamente que aceitei o convite e marcamos na mesma livraria do primeiro encontro.
Ela estava ainda mais bonita que da primeira vez. Usava um jeans justo com uma camiseta vermelha e um salto alto que enaltecia ainda mais seu charme. Uma forte onda de calor percorreu meu corpo em todas as direções. Um comichão intenso tomou conta da minha barriga. “Uau!”, pensei, “ela é realmente estonteante. O que será que viu em mim?”.
Assim que me viu no Café, ela me lançou o sorriso mais lindo que eu já havia visto. “Quanto tempo!”, me cumprimentou com dois beijinhos no rosto, o segundo bem no cantinho da minha boca – esse tipo de beijo me deixa louca. “Se acalma, Marita”, lancei em silêncio para a minha pepeka, já molhada.
Novamente, saímos do shopping quase no horário de fechar. “Que tal esticarmos essa conversa na minha casa?”, ela convidou. “Lá tenho um vinho delicioso e ainda dá tempo de pedirmos uma pizza”, sugeriu já abrindo o aplicativo no celular. “Assim não demora de chegar”, sorria satisfeita. E seguimos para a casa dela.
O apartamento dela era muito bem decorado e arejado. Como companhia, ela tinha Catarina, uma gata siamesa de personalidade intrigante. Logo ela foi para a geladeira e voltou com um balde de gelo, duas taças e o vinho. Não demorou e o entregador tocou o interfone com a pizza, que ela ajeitou sobre a mesa.
“Eu preciso fazer uma coisa. Não me leve a mal”, sussurrou se lançando aos meus lábios e me dando um delicioso beijo. Eu também estava morrendo de vontade de senti-la, mas me assustei com a atitude. Claro que não fugi e a envolvi em meus braços. Aquele beijo começou a esquentar. Uma boca macia, daquelas que viciam mesmo.
De repente, ela me jogou no sofá e veio por cima. O clima realmente estava ficando maravilhoso. Meu corpo respondia ao dela de uma maneira única. Era o encaixe perfeito. Beijos e mais beijos ardentes, ela se mostrando muito carinhosa. Só que eu não tenho o costume de transar logo de cara. “É melhor a gente ir com calma”, recuei meio assustada. “Relaxa, bebê. Não vou fazer nada daquilo que você não queira”, ela foi sarcástica com o comentário mais infame que se pode fazer nessas horas. Caímos na gargalhada e ela ficava cada vez mais bonita aos meus olhos.
“Infelizmente está na minha hora. Amanhã cedo eu trabalho e moro longe”, fui obrigada a cortar o clima. “Nossa! Mas já?”, ela entristeceu também. “Eu te levo em casa”, ofereceu gentilmente. “Não precisa, meu anjo. Você bebeu. Melhor eu pedir um carro pelo aplicativo”, tentei dispensar. “Não quer mais a minha companhia?”, disse toda manhosa, quebrando qualquer tentativa de retruca.
Ainda no elevador, nos beijamos com mais fervor até chegarmos à garagem. Durante todo o caminho fomos trocando carícias. De repente, eis que surge a esquina da minha rua. “É no segundo prédio ali na frente”, orientei. “Por que com você o tempo passa sempre tão rápido?”, ela fez voz de dengo. Minha vontade também era de não deixa-la nunca mais. “Vamos nos ver em breve?”, pedi quase suplicando. “Não vejo a hora”, disse ela em tom de promessa.
Os dias seguinte vieram cheios de cores e sons que há muito não via. Ela conseguiu colorir a minha vida de uma maneira rara. Voltamos a nos encontrar e sempre era bom, mágico eu diria. Se vai dar namoro ou algo mais sério, ainda não sei. Só sei que adoro estar com ela e tê-la em meus braços me faz um bem danado!




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