A moça do cartório


Chega uma hora em que a gente precisa renovar a vida e nada melhor do que ficar atento à data de validade dos nossos documentos. Para mim, apenas a carteira de habilitação e o passaporte tinham prazo de validade e se tornavam inválidos quando vencidos. Precisando tirar justamente o passaporte, pois tenho planos de viajar ao exterior para uma longa temporada, descobri que minha carteira de identidade já havia vencido há muito tempo. E é aí que inicia essa nova saga.
Como dinheiro não está fácil de se ganhar, mas vivemos num país onde ainda não pagamos apenas para respirar, comecei a pesquisar a renovação do documento. De cartório em cartório, me deparei com um anúncio de um cartório virtual que tem unidade aqui perto de casa.
Entrei no site, solicitei um orçamento e aguardei. Qual não foi minha surpresa ao receber uma ligação quase imediatamente ao envio da mensagem. Uma voz feminina, levemente rouca, de fala suave, confirmava minha solicitação e meus dados, e já me arrepiava a pele. Confesso que tenho um certo fetiche por voz. Talvez pela minha formação inicial, sei lá, mas uma voz harmônica mexe comigo. Dá vontade de passar horas ouvindo aquela fala.
 Preparando o orçamento, ela ficou de me retornar a ligação com valor final do serviço. Novamente não demorou. Mais do que fechar o serviço, de repente o papo fluiu das dúvidas técnicas e nos colocamos a conversar sobre amenidades.
De pronto, ela disse que não costumava render assunto, principalmente pelo telefone da empresa e me deu o número particular dela. Anotei e logo passei para o celular. O arrepio voltou quando abri o aplicativo de mensagens e vi a foto dela. Uau!! “Que menina linda!”, pensei na hora. Morena, boca bem desenhada, olhos claros, cabelo liso brilhoso e um sorriso que irradiava da alma.
Depois de admirar aquela foto por longos segundos, finalmente consegui dar um “oi”. Sim. Foi só o que consegui escrever naquele momento. Ela, bem mais desprendida e disposta, voltou a estender a conversa. Contou um pouco da vida, perguntou sobre mim, mas logo nos despedimos. Afinal, ambas estávamos em horário de trabalho. Logo segui para meu atendimento, mas o sorriso largo já não me abandonava e a mente não parava de pensar nela.
Hoje em dia, é bom que se diga, parece cada vez mais difícil encontrar pessoas agradáveis, que tenham bom papo e que saibam escrever corretamente, principalmente nesse mundo virtual onde reinam as abreviações. (tive que rir agora!). Digo logo: inteligência é um poderoso afrodisíaco.
Saí do trabalho contando os minutos para chegar logo em casa. Durante o trajeto, não tirava os olhos do celular, ansiosa pela chamada dela. Cheguei em casa, botei o celular para carregar e fui cuidar do jantar. Não demorou e o celular apitou. Ao ver que era ela, aquela euforia gostosa surgiu como um arroubo, me tomando como uma onda quente.
“Pensei que não ia mais falar comigo hoje”, soltei aquele draminha básico – afinal, tenho um pezinho na Grécia. “Por que achou isso? Uma conversa gostosa está tão raro hoje em dia que tenho que aproveitar. Espero não estar te atrapalhando”, devolveu, muito educada. Varamos a noite nessa nuvem de risos, áudios e energias positivas.
Descobrimos que temos muito em comum: comidas, lugares, músicas e até o tipo de literatura são compatíveis. “Meu Deus, finalmente encontrei minha alma gêmea”, suspirei. Os dias seguiram tranquilos. Gostosas ficaram as manhãs, quando passei a ser acordada com as mensagens dela de “bom dia”. E, acreditem, não eram os famosos jpg enlatados com frases feitas atribuídas a filósofos de internet. Ela fazia questão de escrever cada mensagem.
Depois de alguns dias de texto e áudios, passamos às chamadas de vídeo. No começo, eu ficava meio sem jeito de ela me ver na intimidade, às vezes descabelada ou em plena faxina. Demoramos alguns dias até marcarmos um encontro pessoal.
Ela me pegou no trabalho e quase caí para trás quando entrei no carro e senti o perfume mais gostoso que meu olfato já percebeu. Meus sentidos começaram a se aguçar ali mesmo. Cumprimentei-a com dois beijinhos no rosto e ela já foi dando logo o primeiro golpe baixo: beijou o cantinho da minha boca. Isso me deixa louca. Obviamente não deixei ela perceber meu coração quase saltando para fora. Fomos para um restaurante japonês ali perto.
Depois do maravilhoso jantar, viemos para a minha casa. Preparei um café expresso para nós e ficamos no sofá. O papo com ela parecia não ter fim. Falava de tudo com propriedade: administração, direito, culinária, comportamento, ciência e até religião e esportes – temas que ela mais dominava, por ser atleta quase profissional.
Como eu curto muito conversar olhando fixamente nos olhos, continuei a fita-la profundamente. Quando dei por mim, ela já havia se aproximado sem me dar chance de defesa. O beijo finalmente aconteceu. E que beijo! Do jeito que eu gosto: lábios firmes, boca úmida na medida e a intensidade certa ao morder o meu lábio. O sangue ferveu imediatamente.
Correspondi àquele beijo de tal forma, que foi como se nos conhecêssemos há tempos. Nossas bocas se buscavam com ardor, uma magnitude rara de acontecer. Segurei seu rosto entre as mãos e me entreguei ao momento. “Finalmente”, dissemos em uníssono.
A noite transcorreu muito tranquilamente. Trocamos muito carinho, cabeça no colo, revelamos anseios e rimos muito. Infelizmente ela teve que ir embora. Não pedi para que ficasse, pois quero viver algo diferente com ela. Da mesma forma, ela também caminha com cautela.
Naquela noite, dormir também não foi fácil. Minha mente alucinou com diversas miragens de coisas que quero viver com ela. Foram poucas as horas de sono e qual não foi a surpresa ao receber antes das 6h a primeira mensagem do dia. “Bom dia, anjo lindo! Devo admitir que adorei o nosso encontro e já aguardo o próximo”, dizia.
Os dias seguiram mais ensolarados, minha vida se transformou em um belo jardim florido, colorido tão intensamente que as borboletas estão fazendo nova morada em mim. Apesar de tudo o que passei na vida, não tenho medo de me envolver com ela. Uma mulher madura, dona de si, e disposta ao mesmo objetivo que eu: ser feliz!
Vida que segue.



Comentários

  1. Uau amiga. Isso é um conto ou é sua realidade? Amei. Tomara que seja real. Grande abraço.

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  2. Adoro ler os seus contos... com certeza, o meu olhar pra você é diferenciado. É muito bom deleitar-se numa leitura agradável. Amoooo! Gosto muito de você, coisa linda! Continue escrevendo seu olhar e seu desejo para a gente.

    :)

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    1. Gratidão. Fico feliz em saber que agrado a uma audiência tão seleta. 😘😘😘

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