Apenas um desabafo

 

Há seis anos eu vivi uma experiência traumática. Foi um relacionamento tóxico, abusivo e violento, mas que me ensinou muito. Foi o que me abriu o caminho do autoconhecimento e da expansão da consciência. Mexendo nos arquivos do meu computador, despretensiosamente encontrei esse texto escondido em uma pasta bem subterrânea. Compartilho com vocês esta reflexão. Boa leitura!

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Apenas um desabafo

        Existem aqueles momentos na vida em que você para e começa a analisar sua caminhada. Percebe que nem tudo vale a pena, apesar de certas sensações se fazerem pesadas. Aquele beijo, aquele cheiro, aquele abraço – que tanto faziam diferença no seu dia – deixam de fazer sentido. Planos, metas e obrigações que você julgava estar dividindo com alguém, passam a pesar nas suas costas e você se sente o próprio Atlas (figura mitológica condenado a carregar o mundo nas costas, literalmente).

De repente, os sabores de uma vida se tornam insossos; as cores perdem a tonalidade vibrante; as flores murcham. O que resta é um completo sentimento de vazio e solidão. E a pior forma de sentir solidão é estando acompanhado. Olhar para o lado e simplesmente ver uma pessoa, mas sentir que já não há mais completude. Ter a certeza de que o que se está alimentando nunca foi um relacionamento saudável. Daí vem o martírio pela perda de tempo. Um tempo que não vai voltar nem por milagre.

O que resta – além da sensação de vazio e solidão – são feridas, incredulidades, incertezas, descrenças. Venenos que se apoderam do coração, deixando um amargo sabor de não se querer mais. Não se apostar mais em relacionamentos futuros. Não acreditar mais em quem se aproxime, ainda mais fazendo promessas ou demonstrando fragilidade.

Mas a vida ainda precisa ser vivida. De alguma forma. Ainda que de maneira meramente mecanizada. Recobrar a rotina casa-trabalho-casa, sabendo que o telefone não irá mais tocar tendo uma voz burramente controladora do outro lado. E vem certa sensação de alívio. Mas não podia ter sido assim? Na base do alívio, sem tensões desnecessárias? Poderia.

Sim. Simplesmente poderia. Mas a escolha feita não foi pela calmaria de um lago, nem pela serenidade de uma brisa. Plantaram-se tempestades, tufões e tsunamis devastadores. Só mesmo a sabedoria oriental para reconstruir em pouco tempo os templos demolidos, as casas abandonadas, as cidades vazias.

Repovoar um terreno ressecado e endurecido não será tarefa fácil. Mas é necessário. E é preciso que seja logo. Recuperar a limpeza da água, a maciez do gramado, o perfume e a beleza das flores, a doçura das polpas mais carnudas. Despoluir o espírito e a mente. Como? Só há um remédio: dar tempo ao próprio ser tempo e deixar que ele se encarregue de fazer as transformações.

Certa feita, alguém disse: “Em momento de dificuldade ou quando as coisas não saírem exatamente como você queria ou desejava, não pergunte a Deus por quê daquilo. Pergunte simplesmente ‘para quê’ e logo você entenderá exatamente cada motivação”. Bem por aí. O “para quê” oferece repostas ao íntimo e pode levar à serenidade ou à resiliência. O “por quê”, ao contrário, traz dúvidas, questionamentos intermináveis e angustiantes.

Lidar com sentimentos nunca foi das tarefas a mais fácil. Reorganizar o que foi bagunçado, desestruturado ou mesmo destruído, leva tempo. Não acontece por milagres. Pedidos de desculpas e perdão constantes não resolvem. Nem sempre aliviam, pois a desculpa passa a ser usada sem medida e a razão de ser se banalizou.

A promessa de não fazer de novo, o arrependimento, soam como uma pluma para quem fala, mas pesam como uma bigorna para quem ouve. A credibilidade e a confiança foram rachadas, profundamente danificadas. Feridas mal cicatrizadas ao longo do tempo, voltaram a sangrar e a dor é a companhia de todas as horas.

O tempo é homeopático. Ministrado gota a gota. Não adianta uma overdose; ele não acelera. Mas tudo vai passar. A raiva vai sumir, o vazio aparecer, a saudade bater...ou não. Só o fim do tratamento vai dizer....

 

Aracaju, 20/08/2015

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