Visita surpresa

Era uma tarde quente de segunda-feira. Eu estava sozinha em casa, todos haviam saído para seus afazeres costumeiros. Fui surpreendida pelo interfone. Quando ouvi o porteiro dizer seu nome, um misto de extrema felicidade e gelo na espinha percorreu todo o meu corpo. Abri a porta e a esperei sair do elevador. Ela estava simplesmente linda.
Além do sorriso largo, trajava um vestido estampado florido, cuja malha remetia a um tom de rosa bebê ou salmon (nunca soube a diferença entre os tons de algumas cores...enfim). Entrou no apartamento me dando um abraço apertado. Tão apertado que pude sentir o seu coração pulsar no meu peito. Havia muito tempo que não nos víamos e o contato era meramente virtual e muito espaçado.
Assim que nos separamos brevemente, tranquei a porta e nos dirigimos ao meu quarto, como de costume. Ela foi contando-me das últimas aventuras vividas e que acabava de voltar de uma temporada em outro estado no sul do país. Disse que estava de férias na cidade e que a todo momento pensou em me visitar. Obviamente essa revelação fez formigar minhas pernas – neste instante agradeci muito já estar sentada e bem confortável.
Ela estava muito diferente. Parecia mais segura de si. Fitava-me profundamente nos olhos, como querendo descobrir alguma coisa. Entretanto, não me causava desconforto. A felicidade em vê-la de novo era maior que qualquer coisa.
Os olhos castanhos continuavam lindos. O sorriso sempre fácil ainda existia. O charme próprio ainda exalava daquele corpo que um dia tanto desejei. Refotografei na memória cada novo velho traço e a mente tratou de compará-los com as lembranças que eu carregava havia algum tempo. Mas algo estava destoando naquela bela figura.
Em determinado ponto da conversa, ela relembrou um momento que quase vivemos. Durante um tempo em que estudamos junto, acabei por ter despertado por ela um sentimento muito profundo, quase uma paixão. Vivi momentos angustiantes de rejeição, frustração e tristeza, pois não havia sido persuasiva o suficiente para conquista-la e ser a primeira (e por que não a única?) mulher em sua vida. O sofrimento intenso me rendeu algumas passagens pelo inferno emocional, local que não curto muito visitar. Até que resolvi libertá-la de mim e atender ao pedido feito: sermos apenas amigas.
Depois de tanto tempo já passado, pessoas encontradas, situações vividas e tudo o mais que a vida se encarrega de providenciar alicerçada pelo tempo, não imaginei que ela levantaria essa temática. Afinal, para mim, aquela “confusão de sentimentos” criada, alimentada e incinerada por nós mesmas, havia ficado num passado distante.
De repente, uma frase consegue transformar tudo. “Mesmo estando esse tempo todo longe daqui, eu não conseguia parar de pensar em você e em tudo o que eu abri mão de viver contigo por medo”, ela revelou com uma firmeza chocante.
Sim. Foi um soco no estômago! Aquilo me deixou por um instante atordoada. “O que você quer dizer com isso?”, perguntei. “Quero dizer o que estou dizendo”, retrucou. “Seja clara. Não estou te captando ainda”, devolvi.
Ela me olhou bem mais fundo nos olhos e sem dizer palavra pegou em meu rosto com as duas mãos e beijou-me a boca. Fiquei absolutamente assustada com aquela atitude, afinal, ela sempre se colocava como a “muito hetero” da turma, aquela que sentia completa repulsa ao pensar ser tocada por uma outra mulher. E, agora, chegava de surpresa, estava na minha casa, no meu quarto, na minha cama e beijando minha boca com uma fervura quase insaciável!
Confesso que tive vontade de interromper o rompante, mas ao mesmo tempo não. Não queria de novo me sentir um joguete do coração dela. Estava dispensando falsas promessas e novas ilusões. Daquele caminho eu já conhecia todos os cascalhos e espinhos. Não precisava de um retorno.
Envergonhada, ela me pediu desculpas. Disse que precisava sentir aquele beijo, que seria um novo divisor de águas em sua vida. Desta feita, estava bem disposta a encarar uma nova vida e a resgatar o que um dia eu havia proposto exclusivamente a ela. Mais uma vez, me senti sem palavras, sem reação, sem saber o que fazer. A cabeça voava a mil pensamentos por segundo. Uma infinidade de ‘por quês’ se amontoavam sem resposta aparente.
“É...eu...não sei o que te dizer”, gaguejei feio, minha voz parecia pesar uma tonelada! Mas ela soube ser persuasiva o suficiente. “Sei que é complicado, depois de tanto tempo eu aparecer assim, desse jeito, sem avisar. Mas, eu estou arrependida de tudo o que fiz e sei que ainda é possível vivermos tudo o que está guardado para nós. Só diga que me perdoa e me aceita como sua mulher”, argumentou com uma segurança invejável.
Naquele segundo, meu coração parece ter sido tomado por uma alta descarga energética. Tive vontade de pular, gritar, correr...mas só conseguia sorrir e chorar de alegria. Mesmo depois de tudo, quando imaginei que nada mais seria possível, que havia perdido a mulher por quem me apaixonei, ela me mostrou que aquele sentimento estava apenas adormecido, como uma semente enterrada em terra seca só esperando a chuva certa para brotar!


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