Os doze buquês


Era uma tarde quente, daquelas bem típicas do nordeste, em que a gente tem a nítida certeza de que o mundo vai se acabar em seca e terra rachada e que nós, reles humanos, seremos cozidos em nossa própria proporção líquida. Eu havia chegado no trabalho totalmente esbaforida, suando mais que tampa de cuscuzeiro, a maquiagem dissolvendo.
Consegui chegar na minha sala e me pus por breves segundo à frente do aparelho de ar condicionado, a fim de captar de forma bastante egoísta aquele jato de ar gelado sendo jogado diretamente sobre minha cabeça e face. “Que sensação deliciosa!”, falei baixinho, ensaiando um sorriso de alívio.
Tomei um susto quando a porta abriu de repente atrás de mim. “O dia começou bem pra você, né?”, dizia a voz de Amanda, minha estagiária. “Como é?”, me voltei para a porta, ao que ela estendeu as mãos que carregavam a encomenda. Era um buquê de rosas brancas, viçosas e muito perfumadas. No meio delas, um cartão combinando a estampa e simplesmente dizendo: “Para que haja paz”. Assinando apenas as iniciais P.C.
De início eu não quis acreditar. As iniciais eram da minha ex. Fazia quatro meses que havíamos terminado o namoro, por inciativa dela e sem razões contundentes. Isso me fez perder o chão, afinal, estávamos ainda no início do relacionamento, com apenas dois meses, fase em que tudo é maravilhosa novidade. Estávamos nos conhecendo, nos adaptando uma a outra e, de repente, e de forma brusca, Pamela simplesmente me expulsou da vida dela.
Naquele momento, sem dizer qualquer coisa que fizesse sentido, ela fez eu me sentir a pior pessoa do mundo. Eu passei dias sem entender, buscando na memória o que eu poderia ter feito – ou deixado de fazer – que fosse o suficiente para aquela atitude tão radical da parte dela. A mulher fantástica que eu estava descortinando no dia a dia, agora parecia uma pessoa fria e sem sentimentos que só conseguia me agredir e machucar diretamente na alma.
Foi complicado, confesso, compreender e aceitar que aquele relacionamento que parecia tão perfeito e sob medida para mim, agora me era arrancado com tamanha brutalidade que nem dava tempo de calcular a reação.
Voltei a mim, depois de reviver rapidamente na memória os momentos sublimes que tivemos, mesmo no tão pouco tempo de convivência. Acomodei o buquê sobre a mesa, sem dar muita importância a ele, e me virei para o computador. As terças-feiras costumam ser atribuladas no escritório, só perdendo mesmo para as segundas.
Cerca de meia hora depois, novamente Amanda bate na porta. Desta vez, ela trazia um buquê de rosas salmon, com as bordas coloridas num tom quase pink. No cartão a mensagem “Para que haja serenidade”. E as mesmas iniciais assinando a mensagem.
Comecei a pensar na brincadeira, achando simplesmente que não passaria disso: brincadeira. Mas qual não foi minha surpresa, ao receber o terceiro buquê, desta vez de cor amarela. “Que a harmonia reine”, era a mensagem da vez.
Os sentimentos começaram a se misturar dentro de mim. E assim seguiu-se a tarde. A cada meia hora, Amanda chegava com um buquê novo. Rosas, tulipas, violetas, margaridas. Quando me dei conta, minha sala havia ficado pequena para o rico jardim. Resolvi parar e contar: onze buquês distribuídos entre ramalhetes e vasos. Não pude conter o riso. Aquela brincadeirinha havia me quebrado por dentro. Mas, ainda não havia acabado.
Já perto do meu horário de saída, a grande surpresa. Por trás de um enorme buquê de rosas vermelhas, estava ela, ainda mais bonita, com os grandes olhos verdes acesos e um sorriso meio amarelado ornamentando o rosto de pele morena. “Sei que nunca é tarde para fazer o amor nascer”, disse ela praticamente invadindo a minha sala e batendo a porta detrás de si.
“O que...o que você está fazendo aqui? E o que significa todos esses buquês?”, foram as únicas palavras que consegui gaguejar, movida por um misto de sentimentos que me ruborizaram a face. “Eu vim em missão de paz. E esses buquês – que são apenas doze –, representam tudo o que eu desejo para nós: serenidade, tranquilidade, harmonia, paz, companheirismo, cumplicidade, amizade, respeito, confiança, reciprocidade, fidelidade e este aqui, o mais importante: amor”, ela riu ainda meio sem jeito antes de continuar. “Eu vim pedir teu perdão, meu amor, e dizer que agora estou pronta para ser tua mulher por completo. Eu sei que te feri muito profundamente com minhas palavras e atitudes. Mas eu quero te dizer que o amor que sinto por você apenas se fortaleceu. Eu não parei de pensar em você e em tudo o que vivemos, e tudo o que poderemos realizar juntas, um só dia”.
Respirei fundo, tentando conter as lágrimas insistentes. “Então é assim? Você me enxota da sua vida sem razão consistente, me fazendo sentir como a pior das criaturas e agora, meses depois, quando eu finalmente consigo me equilibrar e esquecer a dor que senti por acreditar que tinha encontrado e perdido meu Éden, você chega e pensa que vai me ganhar de novo com um monte de flores?”, soltei num ímpeto. Afinal, esse meu ‘discurso’ estava engasgado há meses. Mas ela parecia não ter dado muita atenção à minha verborragia.
“Nessa minha reclusão, eu pude perceber a mulher maravilhosa que você é e compreender a fundo a sua última mensagem, em que me disse que seria leviano prometer uma relação sem conflitos. Você nunca deixou de ser meu amor”. E nesse momento, a voz foi ficando embargada. “E é justamente por isso que eu estou aqui agora e mandei esses doze buquês pra você. Eu queria que você me perdoasse por toda a confusão que eu causei, toda a mágoa que te fiz sentir e que me aceitasse de volta como sua namorada”, uma lágrima saltou repentinamente dos olhos dela. “Que tal terminamos essa conversa naquele restaurante japonês que você adora?”, propôs, tentando enxugar as lágrimas.
O primeiro abraço foi inevitável. Minha armadura foi jogada ao chão com o peso próprio do aço frio. Aquelas palavras, dotadas de sinceridade e humildade, me tocaram mais profundamente que a dor da separação.
Jantamos no japonês e ela me levou para sua casa. Ainda na garagem, ela pediu que eu esperasse um pouco no carro, me estendeu uma venda preta felpuda e, de olhos baixos, me pediu: “Coloca isso. As surpresas ainda não acabaram, meu amor”.
Desci do carro e coloquei a venda. Ela foi me guiando passo a passo até o quarto, num exercício prático de confiança. Em frente à porta, ela parou e disse: “Tire a venda, mas só abra os olhos quando eu disser”. Ouvi o suave ranger da porta e um perfume maravilhoso exalar. “Pode abrir”, ordenou me abraçando pelas costas.
Meus olhos foram se acostumando com a meia luz iluminada por algumas pequenas velas que decoravam o ambiente. Na cama, ao lado das taças e da garrafa de Champagne, um enorme coração desenhado com pétalas vermelhas e nossas iniciais dentro me deixaram boquiaberta.
Ela colocou a nossa trilha sonora para enaltecer ainda mais o momento, abriu a Champagne me convidando a um brinde e me tirou para dançar. “Que nunca mais venhamos a nos separar, meu amor. Prometo te fazer a mulher mais feliz do mundo daqui por diante”, garantiu.
Fizemos amor por longas horas, como era antigamente. Ela ainda guardava na memória cada canto do meu corpo e houve mais cumplicidade do que nunca. Percebemos que o sentimento que nos uniu um dia não morreu, apesar da separação dolorosa. Exercitamos o perdão e compreendemos que o amor supera as diferenças que, muitas vezes, nós mesmos imputamos ao outro com quem convivemos.
Quando existe amor verdadeiro, passa o tempo, passa a dor, vem o perdão e compreendemos que um relacionamento é feito de cessão em via dupla. Que o amor reine incondicionalmente em nossos corações e lares.



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